Os dias que são exatamente iguais
É bom sentir as mãos do meu pai me acordando, mesmo que seja no seu modo desajeitado. Em seguida, eu gosto de sentir o cheiro do café ficando pronto. Gosto também de ouvir as primeiras notícias da manhã na rádio, minha mãe sente medo do silêncio, então na hora mais calma do dia, ela liga o rádio só pra ele ficar ali fazendo barulho. Para ela, era só isso, pra mim era como um ritual, todas as manhãs eram iguais e eu sempre gostei disso.
Gosto de sair na rua e sentir a sensação dos primeiros raios de sol batendo na pele, aquele calorzinho leve é mágico, eu sempre soube. Se o dia amanhecesse chuvoso, não era problema, o cheiro de terra molhada, o friozinho e as gotas d´agua batendo na pontinha do nariz também eram mágicos. As pessoas cumprimentam-se com amistosos "bom dia" na padaria e o cheirinho de pão que dá pra sentir lá do ponto de ônibus é um forte energético para enfrentar o dia.
Nós estamos sempre tão ocupados que fica difícil perceber como é bom chegar à escola ou ao trabalho, e deparar-se sempre com as mesmas pessoas. Esse é um ponto negativo para muita gente, mas a convivência é quase tão boa quanto a aproximação de gente nova. Você vê as mesmas pessoas de sempre, acompanha o dia delas e tem o privilégio de ver as mudanças na vida de cada uma, você é capaz de reparar se alguém está mais feliz do que o normal, se alguém não dormiu bem na noite passada ou se alguém cortou o cabelo, o melhor é poder mudar o dia dessa pessoa com um simples comentário que só a convivência te dá competência para fazer. Inclusive, eu gosto de chegar nos lugares e dá de cara com as pessoas de sempre. E gosto mais ainda quando elas mudam o meu dia.
O fim do dia, assim
como o começo dele, é sempre igual. Nessa hora, eu gosto de observar as pessoas
chegando às suas casas cansadas, mas com a sensação de alívio estampada no
rosto. Eu gosto do cheirinho da janta que minha mãe faz, e gosto do jeito que
ela sempre deixa guardada na proporção certa que faz passar a minha fome. Gosto
de ouvir do meu quarto meu irmão tocando violão e gosto mais ainda do som da
voz dele cantando bem baixinho, tão baixo que somente do meu quarto é possível
ouvir. O barulho da voz da minha irmã me chamando para mais uma festa me faz
sentir, finalmente, que estou em casa. E depois de tudo, percebo que sou mais
feliz elencando os pequenos detalhes que me fazem feliz durante o meu dia. E
ai, só me resta deitar, adormecer e esperar por mais uma manhã, exatamente
igual.