O dia em que conheci um cara graduado em ser feliz

17/04/2017

A luz, tão incessante, das lojas misturava-se com o barulho do trânsito que parece nunca parar. Mesmo eu que sempre gostei de luz, confesso que estava cansada e irritada com esse clima de cidade grande. As pessoas que passavam pela minha mesa falavam no celular, falavam entre si e às vezes falavam dos dois jeitos, ao mesmo tempo. Algumas pareciam se encontrar, trocavam algumas frases rasas, do tipo "como está o seu neném?" "Vai viajar esse feriadão?" e então se despediam. Eu tinha pressa, mas também tinha curiosidade, então ignorei minha enorme vontade de ir para casa e observei uma cena construir-se timidamente à minha frente.

Um rapaz, exalando vida e juventude pelo sorriso, de cabelo bagunçado e barba desgrenhada aproxima-se de uma moça, tão linda e jovem quanto ele. Ela sorri abertamente como quem aceita, imediatamente, a surpresa que está por vir. Ele, por sua vez, com suas mãos rápidas e habilidosas, começa a confeccionar uma flor artesanal. Todos ao redor observam encantados o nascer da arte, na sua mais simples e pura essência. A flor foi entregue por ele à moça, cujo sorriso bonito ficou ainda mais bonito. Ao abrir a bolsa para ofertar algum dinheiro ao rapaz ela foi interrompida por sua mão amigável e tão talentosa. Então ele explicou para ela, e para a plateia curiosa a qual me incluo que não confeccionava as flores por dinheiro, e sim, para mostrar ao mundo o que ele mais ama fazer. Ele narra que sua vida é baseada em florir os dias das pessoas para que sorrisos já tão bonitos tornem-se ainda mais felizes, assim como o dela.

Nesse instante, uma senhora que o tempo todo se mostrou incomodada com a situação, aproximou-se do casal de sorrisos felizes e questionou o porquê daquele estilo de vida. Coitada, exalando desgosto pela vida, ela listou pausadamente uma série de tarefas mais dignas do que "incomodar" pessoas honestas em lugares públicos. O rapaz acompanhou atento e atencioso à história do filho dessa senhora, este não estava presente no momento, mas os relatos orgulhosos dela diziam que ele formou-se em odontologia e hoje nadava em rios de dinheiro. Realmente, o filho desta mulher era um exemplo para muitos. Só existia um problema, esse era um exemplo que o rapaz visivelmente não gostaria de seguir.

Depois de a senhora cuspir todo seu preconceito em cima de todos os nós, era possível ver que o sorriso da menina, antes tão iluminado, deu lugar a uma expressão de tristeza e revolta. Enquanto isso, o sorriso do rapaz permanecia intacto. Observando sua serenidade inabalável, eu só conseguia me perguntar se, pelo menos por um instante, a tristeza já abitou aquele ser.

Quando a voz pesada da senhora cessou, o rapaz teve chance de reposta. Ele nos contou que é formado por uma das melhores faculdades do exterior. Viajou o mundo todo, trabalhou, mas a melhor parte da sua vida se deu quando ele decidiu viver não da sua formação, mas da sua felicidade. A postura engrandecedora da senhora se desfez. Ela permaneceu com seu olhar de desdém, mas todos nós sabíamos que sua infelicidade era porque ela nunca se permitiu fazer o mesmo.

Minha pergunta então foi respondida. E a resposta era "não", a tristeza, sem dúvida nenhuma, nunca fez morada naquele ser. Eu, a menina, e todos os que presenciaram a cena, fomos para casa com a certeza de que a luz que consome àquele que se permite viver da sua felicidade nunca se apagará.

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