Como é possível um amor que não é meu, tirar meu sono?

20/01/2017

Eles provavelmente estudam juntos. Digo isso pela idade aparentemente igual e também porque usam a mesma farda. Já estivemos juntos, os três, no mesmo ônibus por diversas vezes. Algumas no horário de ida para escola, bem cedinho, justo naquela horinha em que tudo o que você mais quer é voltar para sua cama. Outras vezes os vi, na hora de volta, hora do almoço, hora do estresse causado pela fome e o acumulo de cansaço. Independente do dia, da hora ou do clima, um fato já era característica desse casal, um fato que faziam com que todos do ônibus, inclusive eu, reconhecesse os dois logo após a subida: eles estavam sempre, sempre e sempre brigando.

Ela é baixinha, tem o cabelo curto e roxo, usa all star preto, tem dois piercing e uma cara bem emburrada. Ele é alto, usa óculos, tem cara de nerd, sorriso debochado e cabelo baixinho estilo militar. Um casal um pouco diferente, porém muito bonito. Entretanto, juventude e beleza, parecia ser o único ponto em comum ali. Tive a oportunidade ou o azar, nãos sei ao certo, de ficar por duas vezes bem pertinho acompanhando algumas de suas discussões. O fato era que eles não concordavam em nada, não chegavam em um acordo quanto ao lugar que iriam no sábado, onde iam passar as férias, nem em que faculdade iriam estudar, fora isso pelo que pude observar, também havia muito ciúme da parte dela e muito orgulho da parte dele. Isso tudo dito em alto bom som, afinal ele fazer grupo de estudo com a "juliana vagabunda" era um absurdo, e mais absurdo ainda era essa mania que ela tinha de controlar cada detalhe da vida dele. E o mais absurdo de tudo, pensava eu, era essa gritaria enquanto eu estou tentando dormir.

Nessa briga sem fim, ela levantava-se, ia para uma cadeira mais longe, ele já impaciente a seguia por todo coletivo, enquanto todo mundo parava o que estava fazendo para encarar a situação. Algumas pessoas, visivelmente, achavam engraçado o que estava acontecendo, algumas pareciam preocupadas, eu observava querendo saber o fim da discussão, e muita gente parecia estar aborrecida com um barulho. Mas, uma coisa eu posso garantir, ninguém ali estava tão aborrecido quanto esse casal.

Inacreditavelmente, todas as vezes em que estive com os dois, ao chegar no ponto de ônibus da escola ou do bairro em que moramos, é sempre do mesmo jeito. Ela desce primeiro, emburrada, andando rápido e ele desce em seguida, tentando alcançar ela. Da janela do ônibus é possível ver os pedidos de desculpas, eles se abraçam e caminham de mãos dadas até os perdemos de vista. Assim eles seguem no relacionamento e nos deixam perplexos em nossas cadeiras, todos ficamos sempre sem entender o que de fato aconteceu. Na minha cabeça, só existe espaço para uma pergunta: Porque coletivos tiram tanto a paz desse casal?

Só eles seriam capazes de responder essa pergunta, e como eu não estou doida, o bastante, para perguntar, respondo a mim mesma com um "o amor é assim né? Fazer o que". E assim fico feliz, por eles terem se acertado, claro, mas também porque vou dormir, finalmente.

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